quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Cartas Inacabadas IV

Vivian,
Eu não lembro direito quando fomos apresentadas, sei apenas da primeira vez quando realmente a percebi. Foi na praia. Eu tinha ido sozinha e você também; só começamos a conversar porque já tínhamos feito, algumas vezes antes, parte do mesmo grupo e não éramos estranhas uma a outra. Eu nem sequer me lembrava do seu nome, e acho que você também não se lembrava do meu. Naquele instante era o que menos importava, falamos de dança e viagem - a paixão das duas-. Você falava de tantos lugares onde havia morado, e o seu sotaque ia me conquistando. Depois fomos para o mar... A água estava tão gostosa que não queríamos sair de lá. O dia foi virando noite e fomos obrigadas a ir embora. Voltamos pela trilha, eu quase nunca passava por ali, com você ao meu lado, me deu uma sensação grande de paz. Talvez tenha sido essa a primeira vez que algo dentro de mim tenha tocado.

Marcamos de nos encontrar no dia seguinte no mesmo lugar, mas você não apareceu. Andei a praia toda querendo achá-la, em todas as garotas da praia eu a procurava. Eu não entendia o porque daquilo, tudo tão confuso. Não era uma simples amizade florescendo, eu sentia algo maior. E me dava um medo, um estranhamento em mim mesma. Quando percebi estava do outro lado da praia, onde nunca nos encontraríamos. Consegui finalmente levar meus pensamentos para outro lugar, estava bem longe, minha cabeça viajava a quilômetros de distância e eu me sentia leve e completa. E tão angustiada e em pedaços,... O engraçado foi que, sem querer, dei um esbarrão num cara, eu e ele já tínhamos nos cruzado outras vezes, mas só depois me toquei, era seu irmão.

À noite, você foi me visitar no trabalho, mas eu mal pude falar contigo. Havia muita gente, um corre-corre louco. Enfim tive uma folga e conseguimos passar um tempo conversando, só eu e você, a presença de outras pessoas já não era bem aceita, mudamos os lugares aonde normalmente iríamos antes de nos conhecer. Eu não sei mais o que dissemos, e esses dias me parecem nebulosos agora. Lembro haver momentos enormes nos quais ficávamos caladas e meu coração parecia pular pela boca. Era bom sair à noite pelas ruas desertas só com você, eu me sentia segura e ao mesmo tempo eu não entendia bem o que estava acontecendo comigo.

Percebia olhares nos reprovando... Estávamos fazendo alguma coisa errada? No mesmo dia em que não a encontrei na praia, perguntei seu nome a um amigo, ele riu e debochou: “É, ela e a irmã têm algo em comum, embora não se pareçam fisicamente, as duas gostam de mulher". E mais adiante: "Ela já deu em cima de você?" Eu achei aquilo tão absurdo! Nós não poderíamos ser somente amigas? Esta foi a primeira vez na qual percebi alguma coisa fora do meu controle estar acontecendo, sem ter a menor idéia do que fazer, como me portar, sei lá,... Se alguém considerado meu amigo reagiu daquela forma, o que os outros não fariam? E logo naquela cidade onde todo mundo sabe da vida do outro.

Aquela frase: "Ela gosta de mulheres" ficou na minha cabeça. Tinha mais alguma coisa ali, a resposta não era tão simples. Tinha a ver comigo também, com os meus sentimentos. Isso vem me martelando até hoje, cinco meses depois. Eu não sei o que poderia acontecer se tivesse continuado aí. Não era só com você, mas tanto em mim que me permiti o egoísmo de só pensar em mim mesma.

Por esses dias você deve estar indo embora para algum lugar do mundo, não sei se acompanhada ou sozinha. Eu queria tanto poder vê-la mais uma vez, tocar seu rosto, beijar sua boca e ver o dia nascer, o mesmo do nosso último dia juntas, no dia seguinte eu vim embora. Prometi a você voltar, viajaríamos para Londres, ou qualquer outro lugar do mundo, mas eu não pude. Não foi questão de escolha, mas já havíamos falado sobre como o nosso trabalho era importante em nossas vidas. Se você soubesse como isso me dói! Eu queria ao menos uma notícia sua, mas você não tem telefone e eu não tenho seu endereço. Às vezes, quando o telefone toca, eu ainda tenho esperanças de ser você... mas nunca é.

Eu só queria dizer o quanto você significou pra mim, e como eu ainda penso em você e em tudo que houve. Eu não sabia o que estava sentindo naqueles dias em que ficamos juntas... Ah, Vivian! Como eu te amei e como queria ter você de novo.

Não sei ainda as mudanças trazidas por você à minha vida. Logo eu que... Eu sempre me interessei por homens e nunca pensei ter alguma coisa com uma garota... Só agora percebo um pouco de preconceito da minha parte, sempre achei normal alguns amigos serem gays, mas quando foi comigo, eu não sabia o que fazer. Existe alguma coisa a ser feita nesse caso? Quer dizer, será que eu vou me interessar por outras mulheres? Ou só você teve esse dom de me fazer ver além do sexo da pessoa? Como o mundo é hipócrita, e como eu, e todos os outros também o somos em aceitar isso e não fazer nada para modificá-lo. Um brinde à hipocrisia!

Depois de você eu não consegui me interessar mais por ninguém, homens ou mulheres. Acho que, no fundo, espero reencontrá-la e poder viver tudo o que, por um medo meu, não vivemos. Você me aceitou sem nenhuma máscara.

Quem sabe um dia voltemos a nos encontrar em uma de nossas viagens pelo mundo? Que você conheça muitas pessoas interessantes e ame intensamente e incondicionalmente. Gosto dessa palavra “incondicional” referindo-se a amor,... completo, transcendental, límpido, apaixonante, orgiástico e sublime. Não sei se representei algo na sua vida, mas se algum dia lembrar da minha existência, espero ser com carinho, que eu não seja uma qualquer, como você não foi - e não é - pra mim.

Desculpe se é tarde demais, mas eu só queria dizer que amo você. Não sei se incondicionalmente, apenas digo eu a amo sem nenhum acompanhante direto... Agora eu sei o que eu sentia. Eu sempre penso que amar alguém é, se esse alguém pedir para eu largar tudo para viver com ele, eu nem pense duas vezes e solte todas as amarras da minha vida para ir viver com essa pessoa. Você é uma dessas pessoas, que se pedisse para eu ir a qualquer parte do mundo com você, eu iria.

Quer dizer,... em algum momento houve esse pedido? Há uma névoa em tudo que penso a esse respeito. No fundo eu não sei de nada, não penso em nada. Sofro e amo calada. Sempre penso num amigo me perguntando se eu tinha dito que amava o meu ex- namorado que estava indo embora e eu sabia nunca haver feito isso. Eu respondi: “Mas ele sabia”,... “Como você pode ter essa certeza?” – ele falou – “Sabe, às vezes, dizer pra alguém que o ama muda tudo. Para ele ou para você, tanto faz,... sempre alguma coisa se modifica.”

Talvez seja difícil compreender tudo pelo que passamos, porque naqueles momentos eu não pensava, eu só agia conforme meus instintos. Se fosse sempre assim, eu seria muito feliz mas também haveria muita gente me virando a cara. Não é fácil ser livre, deixar o sangue fluir e fazer o que quiser. Mas nos breves momentos em que isso acontece, penso valer a pena viver, pois a qualquer momento pode acontecer de novo esse raro prazer. (...)

Depois de dois anos eu já havia perdido completamente as esperanças, mas voltei onde nos encontramos e qual não foi a surpresa quando a vi. Demorei ainda a falar com você porque meu coração batia tão forte, eu tremia tanto! Não tinha forças para andar até você e dizer: "Oi, lembra de mim?" Mas eu fui, estávamos uma ao lado da outra e não sabíamos o que fazer. Nos abraçamos rapidamente, você me disse o quanto eu estava diferente e que ia embora no dia seguinte. Se você soubesse como rezei para te ver mais uma vez. Não tinha mais nenhum interesse no que tinha ido fazer lá.

No dia seguinte acordei cedo e fui à praia, fiz questão de ir ao mesmo lugar onde ficávamos, esperei esperei esperei e nada, você não veio. Pensava: "Ela vem mais tarde." Foi ficando tarde, uma agonia crescia em mim, medo de nunca mais ver e nem saber mais de você. À noite fui para o lugar em que tínhamos nos encontrado e onde você sabia que poderia me achar, mas o tempo passava e nada. Comecei a ter certeza de sua ida. Doía tanto. O que poderia ser feito? Passava tantas coisas no meu pensamento, parecendo um turbilhão. E nada servia para o real propósito. Senti-me de mãos atadas.

Nesse dia tive uma notícia que me deixou arrasada e você não estava ao meu lado para dividir comigo a minha dor. Só você poderia entender o que se passava comigo. Encontrava-me triste. Aquela cidade não era mais a mesma de dois anos atrás. Já estava cansada, com sono e caminhava pra casa quando resolvi passar pra rever o Santiago. Já estava lá há dois dias e ainda não tinha ido falar com ele. Eu nem me lembrava direito onde ele trabalhava, e nós duas já tínhamos ido lá tantas vezes,... Enfim, cheguei lá, subi aquela escada estreitinha e dei de cara com você.

Havia muita gente do lado, ficamos um pouco sem graça, falamos de assuntos banais. Você me perguntou se eu estava namorando, disse estar difícil arrumar namorado, mas a verdade mesmo não tinha como ser dita naquela hora. Depois falamos do quanto aquele lugar estava estranho, tão diferente de quanto estávamos lá. A energia, o astral, nada era como antes. Ah! Você me compreendia, falávamos a mesma língua, nem era preciso dizer, tudo já estava ali. Fomos pro barzinho do andar debaixo, eu queria ficar só contigo mas o Santiago resolveu ficar lá, caladão, vendo o movimento ao nosso lado, não tinha como nós falarmos abertamente o que queríamos. Contei das fotos que havia tirado suas e você não acreditou em como eu tinha todas elas. Mesmo assim ainda dei meu telefone novo e meu endereço. Continuo sem poder te encontrar. Por que não pedi seu telefone? Tem algumas coisas que não posso me perdoar de não ter feito, e era tão simples! Quando nos despedimos nos abraçamos tão gostoso. Você se lembrou do dia do meu aniversário, da minha história com meu ex-marido, nem me lembrava ter te contado. É, você sabe mais de mim do que eu poderia imaginar. Dois anos não foram suficientes para esquecermos uma da outra. E quantos serão necessários?

No dia seguinte fui à praia com o Santiago e ele me disse: "Pena a Vivian ter ido embora, ela é tão linda!” E eu pensei: “Nem você sabe o quanto eu lamento!"

Fui ver o nascer do sol dessa vez. Não foi tão bonito quanto da outra, senti frio, queria ir embora. Você não estava lá segurando a minha mão, fazendo carinho no meu cabelo. O dia não nasceu tão bonito, parecia triste, precisando dos suspiros dos amantes.

Era preciso que nós duas estivéssemos lá, vendo o mar ao fundo, aquele azul do céu contrastando com o verde da mata e rindo, rindo muito, rindo enlouquecidamente, nos entorpecendo no próprio riso, na gargalhada, na felicidade plena do exato momento em que a noite passa a ser dia,...

Ah, Vivian,... Quem sabe um dia,... Quem sabe,...

domingo, 23 de setembro de 2007

Cartas Inacabadas III

Deda,
Finalmente consegui, eu sabia que um dia realizaria meu sonho. Como em Godot: "Ele quer saber se dói. É claro que dói". Mas, aí eu penso se vai continuar doendo é melhor que seja de uma vez, que seja rápido e profundo, assim ficamos anestesiados para a próxima. Ah! Meu amigo, talvez você esteja me achando uma louca, talvez um dia eu concorde com você, mas estou me sentindo tão leve. Vez ou outra é bom sentir isso. Vou viajar, passar um tempo fora, e dessa vez não é para fugir de nada, é só para descansar, pegar um sol, curtir um pouco, se rolar alguém, legal, se não rolar, tudo bem também. O que fazer? Não era para acontecer. Joguei runas hoje, sabe que até esqueci que fazia isso? E era a resposta que eu precisava, quer dizer, posso ter interpretado errado, mas como vou saber? Saiu a pedra que representa o Sol, é a melhor pedra das runas.

Você não deve estar entendendo nada, compreendo, mas não dá pra explicar. São essas coisas da vida que não tem meio termo, ou é muito bom ou muito ruim. Sabe aquela vontade de ser bonita de novo? Voltou!!!!!! Hahahahahahaha que delícia!!!!!! Já comecei a dieta, daqui a pouco vou andar na praia, quero ver se além de queimar calorias também pego uma corzinha.

De novo a vizinha brigando com os filhos, coitadas dessas crianças! Estou ouvindo Raimundos, acredita?

Mas quer saber? Tudo o que eu faço eu sempre penso nele, o cheiro, os locais que passo, as roupas que visto, tudo! É terrível, será que algum dia vou me livrar disso? Porque já está fazendo mal, acho que já tomou conta de mim, está lá dentro entranhado. Um dia eu descubro como sai, juro! Enquanto não descubro, vou vivendo.

Tomei uma decisão difícil hoje. Queria ter você, ao meu lado, me dando força. Eu poderia ter ido hoje para São Paulo e tê-lo encontrado. Ou então poderia ir amanhã de manhã. Mas vou ficar por aqui. Penso que poderíamos voltar a ficar juntos, mas também penso que ele pode estar namorando alguém. Não sei se estou suficientemente preparada para vê-lo, saber que nada mais rola e mesmo assim ficar bem. Tenho medo. Estou me agarrando em qualquer coisa para ficar aqui. Ao mesmo tempo, não tem como não pensar em como seria lá. Cheguei a pensar que ele poderia viajar comigo,... ainda sou uma grande babaca, a verdade é essa. Só não quero voltar a sofrer tanto como estava. Será que isso é ser fraca? Se for, então tudo bem. Assino embaixo. Sinto falta dele, claro que sinto, e muita até. Mas sei, pelo menos cerebralmente, que nosso tempo já foi. Não estou a fim de bancar a ex que virou amiguinha,... Palhaçada!!! Se é pra ser ex, quero ser ex mesmo. Só isso.

Cartas Inacabadas II

Mari,
Você me falou para eu seguir o que meu coração mandava, acreditei nisso, naquela hora era o único conselho a ser dito. Sabe, não doeu ter largado tudo de repente, pelo menos não naquele momento, porque depois,... Eu não estava preparada para passar por tudo aquilo. E foi tanto!!! Não sei se alguém consegue estar realmente preparado para as dificuldades que nos esperam. Sempre falam sobre a paixão ser cega, eu nunca dei muita trela a isso, na verdade achava uma grande besteira, mas agora, depois dela ter passado, eu sinto ser tudo verdade. Como é ruim não ter domínio sobre meus sentimentos, eu queria dizer: "vou esquecê-lo", e como num passe de mágica, ele não mais existisse dentro de mim, porque quando o amor passa, ainda resta a mágoa, a dor latejante no peito. Estou parecendo uma boba romântica, eu sei disso, você deve estar estranhando, logo quem falando nisso, pois é minha irmã, as coisas mudam.

Não sei quando vou voltar, mesmo estando morrendo de saudades de você, da mamãe e da Bia. Finalmente estou em paz comigo mesma. E, depois do turbilhão todo, eu precisava ir a um lugar onde não conhecesse ninguém, pensar um pouco, acalmar meus ânimos, me centralizar novamente.

Aqui é tão estranhamente calmo. Passo o dia na praia andando de um lado para o outro, ouvindo walk-man, sei quando a maré está subindo ou descendo, sinto cada espaço da praia, é tão bom sentir a areia nos pés, o mar parece me lavar a alma, limpando todos os meus sofrimentos.

Assim que eu cheguei para ficar com o Lipe, eu nem liguei muito pro fato de não conhecer ninguém na cidade. Só ele era o suficiente. Teve o tempo da lua de mel, das descobertas, mas depois veio a época do cotidiano, das carências, quer dizer, das minhas carências. Tinha dias que sem o Lipe perceber, eu saía da cama, descia as escadas, deitava no sofá e chorava até não poder mais, quando me cansava, voltava e dormia como se nada tivesse acontecido. Eu não sei se ele realmente não percebia ou se fingia não ter nada de errado.

De domingo a domingo minha vida era a mesma, acordava, arrumava a casa, ia a praia onde geralmente encontrava alguns novos amigos, na volta almoçava, tomava banho e ia trabalhar. Começamos a brigar invariavelmente todos os dias, ou quando eu voltava da praia ou quando chegávamos em casa de madrugada.

Mas o pior ainda não era isso, era quando eu tentava conversar e ele ficava calado, como se eu não estivesse ali, parecia uma múmia. E doía mais ainda quando eu o via de papo com todo mundo. Eu achava que ia enlouquecer, nunca me senti tão só na minha vida, mesmo quando morava em Helsinque.

Não queria aceitar que tinha perdido e mesmo sabendo não haver esperanças de voltar ao início, eu continuava tentando, só servindo para piorar meu estado. Eu comecei a beber muito, altos porres. Acordava e já apertava um baseado, meu café da manhã se resumia a uma água de coco e depois cerveja. À noite era a vez do whisky, da tequila, e o que viesse.

Teve um dia que saí da praia trocando as pernas, peguei uma carona, almocei e fui pra casa. Até hoje não sei como consegui chegar, lembro ter passado muito tempo tentando abrir a porta e o cachorro do vizinho latindo e eu ia ficando cada vez mais agoniada e mais tonta. Tomei banho, me envolvi na toalha e caí no sofá, da forma que estava fiquei, tudo girava. O Lipe chegou com uma mulher e os dois ficaram conversando na varanda, tudo era tão longe, eu queria falar alguma coisa, ver quem estava com ele, mas eu sentia meu corpo estático, acho que só meu coração continuava a bater. Depois dormi profundamente.

Uns dias depois ele me disse que era melhor procurar outro lugar para ficar, aluguei um quarto na casa de uma senhora, e ainda passei um tempo morando naquela cidade maldita. Um mês depois fui embora sem me despedir de ninguém.

Tudo ainda me dói terrivelmente, eu pensei que viver fosse menos difícil. Falam para a gente ter fé, mas como? É tão ruim continuar andando, sem nenhuma perspectiva de melhora. Às vezes, por alguns instantes, eu penso que tudo voltará a ser como um dia foi, lembro da nossa infância feliz, e por um momento eu queria voltar a ser aquela menina de maria-chiquinha brincando de esconde esconde, pique bandeira e queimado. O choro está tão presente em mim, que nem sei mais como se ri. Não tenho mais forças.

É sempre assim, quando acho que já estou bem, volta tudo. Um amigo me disse que nós sempre achamos que na próxima vez doerá menos, mas nunca é verdade. Se nós realmente nos entregamos aquilo, vamos até o céu e depois descemos até o fundo do poço.

Cartas Inacabadas I

Quando eu era adolescente, eu escrevia muitas e muitas cartas e muitas vezes ia pro mundo da imaginação, histórias irreais saídas de histórias reais para pessoas irreais inspiradas em pessoas que gostaria de ter conhecido. Eu achava que quando fosse adulta seria escritora e um dos meus projetos era de um dia escrever um livro chamado "Cartas a...", mas aí que com o computador e os e-mails isso foi ficando de lado. E depois com ICQ, substituído pelo MSN e também veio o Orkut e o Multiply e aí os blogs. Não necessariamente nessa ordem. E daí que hoje em dia não se escreve mais cartas, né? Eu ainda resisti bravamente porque um amigo morava no interior da Bahia sem acesso a computadores e eu escrevia pra ele, até que ele começou a ficar irritado comigo, porque eu comecei a digitar as cartas. E ele tem completa razão, é estranho mesmo. Hoje em dia nem sei mais como é minha letra direito.
Bom, mas aí tá uma das minhas cartas inacabadas a meus seres imaginários. Havia ainda outras partes que se perderam pelo caminho, e ficou só o começo dela.
***
Mickey,
Eu sempre tenho vontade de te escrever, quer dizer, na verdade eu até escrevo, mas eu acabo jogando fora. Chego a prometer "desta vez eu mando", e um tempo depois me bate uma dúvida, eu paro e esqueço da promessa, e mais uma carta vai parar no lixo. É tanta coisa a ser dita e tantas a serem esquecidas.

Por sempre desistir no meio, não sei nem por onde começar. Finalmente consegui umas férias, para que elas servirão não tenho a menor idéia, mas enfim, um mês sem nenhuma obrigação. Eu pretendo ir ao cinema, ao teatro, tem várias peças estreando agora, inclusive está tendo uma peça da Denise Stoklos, deve ter sido isso o que me levou a você.

Houve uma vez em que nós marcamos de ir ao teatro: Santos Dumont, com a Denise Stoklos,... e lá no meio daquele teatro lotado estava eu sozinha procurando por você. Tocou o terceiro sinal, as luzes apagaram e eu tive a certeza de que você não iria. Saí de lá, peguei um táxi e fui andar na praia, da Santa Clara até o final do Leblon. Nem senti o quanto tinha andado, a peça me tocou tão lá no fundo que eu precisava descarregar de alguma forma. Meu coração batia numa aceleração louca, eu pensava que ele pudesse se cansar e parar. Quando eu percebi estar no Leblon, pensei em ir até a sua casa. Lembro disso como se fosse ontem: a dúvida tomando conta de mim. Sentei num banco e fiquei vendo o mar bater. Eu estava justamente na esquina da sua rua e torcia para que há qualquer momento você resolvesse sair de casa e fosse andar na praia, e de repente nós nos encontraríamos, quase sem querer, uma dessas coincidências inexplicáveis da vida. Já sei você não acredita nisso, não é? "Coincidência não existe!" Mas você não foi andar na praia. E lá fiquei eu olhando o mar, não sei porque mas achei que naquele dia a lua estava mais baixa, talvez tenha sido só impressão. O importante é que você não apareceu no teatro, não foi na praia e nunca me pediu desculpas. Tudo bem, eu te desculpo por isso, porque no final de tudo quem saiu ganhando fui eu. Como é que uma pessoa deixa de assistir Denise Stoklos? Isso eu não entendo, ainda mais sendo você essa pessoa.
(...)

Faz de conta

Eu sempre gostei de escrever ficção. Mas com a faculdade de jornalismo isso acabou me travando. Como se tudo a partir dali precisasse ser real, sei lá. Afinal o que é ser real, não é? Mas com isso, eu fiquei estagnada e larguei meus escritos de lado. Aí um dia desses os vi no meu computador, datados ainda do século passado e me deu uma cosquinha de voltar pro mundo da imaginação. Como essa cosquinha anda aumentando, resolvi tentar, quem sabe por aqui eu consiga.