domingo, 23 de setembro de 2007

Cartas Inacabadas II

Mari,
Você me falou para eu seguir o que meu coração mandava, acreditei nisso, naquela hora era o único conselho a ser dito. Sabe, não doeu ter largado tudo de repente, pelo menos não naquele momento, porque depois,... Eu não estava preparada para passar por tudo aquilo. E foi tanto!!! Não sei se alguém consegue estar realmente preparado para as dificuldades que nos esperam. Sempre falam sobre a paixão ser cega, eu nunca dei muita trela a isso, na verdade achava uma grande besteira, mas agora, depois dela ter passado, eu sinto ser tudo verdade. Como é ruim não ter domínio sobre meus sentimentos, eu queria dizer: "vou esquecê-lo", e como num passe de mágica, ele não mais existisse dentro de mim, porque quando o amor passa, ainda resta a mágoa, a dor latejante no peito. Estou parecendo uma boba romântica, eu sei disso, você deve estar estranhando, logo quem falando nisso, pois é minha irmã, as coisas mudam.

Não sei quando vou voltar, mesmo estando morrendo de saudades de você, da mamãe e da Bia. Finalmente estou em paz comigo mesma. E, depois do turbilhão todo, eu precisava ir a um lugar onde não conhecesse ninguém, pensar um pouco, acalmar meus ânimos, me centralizar novamente.

Aqui é tão estranhamente calmo. Passo o dia na praia andando de um lado para o outro, ouvindo walk-man, sei quando a maré está subindo ou descendo, sinto cada espaço da praia, é tão bom sentir a areia nos pés, o mar parece me lavar a alma, limpando todos os meus sofrimentos.

Assim que eu cheguei para ficar com o Lipe, eu nem liguei muito pro fato de não conhecer ninguém na cidade. Só ele era o suficiente. Teve o tempo da lua de mel, das descobertas, mas depois veio a época do cotidiano, das carências, quer dizer, das minhas carências. Tinha dias que sem o Lipe perceber, eu saía da cama, descia as escadas, deitava no sofá e chorava até não poder mais, quando me cansava, voltava e dormia como se nada tivesse acontecido. Eu não sei se ele realmente não percebia ou se fingia não ter nada de errado.

De domingo a domingo minha vida era a mesma, acordava, arrumava a casa, ia a praia onde geralmente encontrava alguns novos amigos, na volta almoçava, tomava banho e ia trabalhar. Começamos a brigar invariavelmente todos os dias, ou quando eu voltava da praia ou quando chegávamos em casa de madrugada.

Mas o pior ainda não era isso, era quando eu tentava conversar e ele ficava calado, como se eu não estivesse ali, parecia uma múmia. E doía mais ainda quando eu o via de papo com todo mundo. Eu achava que ia enlouquecer, nunca me senti tão só na minha vida, mesmo quando morava em Helsinque.

Não queria aceitar que tinha perdido e mesmo sabendo não haver esperanças de voltar ao início, eu continuava tentando, só servindo para piorar meu estado. Eu comecei a beber muito, altos porres. Acordava e já apertava um baseado, meu café da manhã se resumia a uma água de coco e depois cerveja. À noite era a vez do whisky, da tequila, e o que viesse.

Teve um dia que saí da praia trocando as pernas, peguei uma carona, almocei e fui pra casa. Até hoje não sei como consegui chegar, lembro ter passado muito tempo tentando abrir a porta e o cachorro do vizinho latindo e eu ia ficando cada vez mais agoniada e mais tonta. Tomei banho, me envolvi na toalha e caí no sofá, da forma que estava fiquei, tudo girava. O Lipe chegou com uma mulher e os dois ficaram conversando na varanda, tudo era tão longe, eu queria falar alguma coisa, ver quem estava com ele, mas eu sentia meu corpo estático, acho que só meu coração continuava a bater. Depois dormi profundamente.

Uns dias depois ele me disse que era melhor procurar outro lugar para ficar, aluguei um quarto na casa de uma senhora, e ainda passei um tempo morando naquela cidade maldita. Um mês depois fui embora sem me despedir de ninguém.

Tudo ainda me dói terrivelmente, eu pensei que viver fosse menos difícil. Falam para a gente ter fé, mas como? É tão ruim continuar andando, sem nenhuma perspectiva de melhora. Às vezes, por alguns instantes, eu penso que tudo voltará a ser como um dia foi, lembro da nossa infância feliz, e por um momento eu queria voltar a ser aquela menina de maria-chiquinha brincando de esconde esconde, pique bandeira e queimado. O choro está tão presente em mim, que nem sei mais como se ri. Não tenho mais forças.

É sempre assim, quando acho que já estou bem, volta tudo. Um amigo me disse que nós sempre achamos que na próxima vez doerá menos, mas nunca é verdade. Se nós realmente nos entregamos aquilo, vamos até o céu e depois descemos até o fundo do poço.

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