Quando eu era adolescente, eu escrevia muitas e muitas cartas e muitas vezes ia pro mundo da imaginação, histórias irreais saídas de histórias reais para pessoas irreais inspiradas em pessoas que gostaria de ter conhecido. Eu achava que quando fosse adulta seria escritora e um dos meus projetos era de um dia escrever um livro chamado "Cartas a...", mas aí que com o computador e os e-mails isso foi ficando de lado. E depois com ICQ, substituído pelo MSN e também veio o Orkut e o Multiply e aí os blogs. Não necessariamente nessa ordem. E daí que hoje em dia não se escreve mais cartas, né? Eu ainda resisti bravamente porque um amigo morava no interior da Bahia sem acesso a computadores e eu escrevia pra ele, até que ele começou a ficar irritado comigo, porque eu comecei a digitar as cartas. E ele tem completa razão, é estranho mesmo. Hoje em dia nem sei mais como é minha letra direito.
Bom, mas aí tá uma das minhas cartas inacabadas a meus seres imaginários. Havia ainda outras partes que se perderam pelo caminho, e ficou só o começo dela.
***
Mickey,
Eu sempre tenho vontade de te escrever, quer dizer, na verdade eu até escrevo, mas eu acabo jogando fora. Chego a prometer "desta vez eu mando", e um tempo depois me bate uma dúvida, eu paro e esqueço da promessa, e mais uma carta vai parar no lixo. É tanta coisa a ser dita e tantas a serem esquecidas.
Por sempre desistir no meio, não sei nem por onde começar. Finalmente consegui umas férias, para que elas servirão não tenho a menor idéia, mas enfim, um mês sem nenhuma obrigação. Eu pretendo ir ao cinema, ao teatro, tem várias peças estreando agora, inclusive está tendo uma peça da Denise Stoklos, deve ter sido isso o que me levou a você.
Houve uma vez em que nós marcamos de ir ao teatro: Santos Dumont, com a Denise Stoklos,... e lá no meio daquele teatro lotado estava eu sozinha procurando por você. Tocou o terceiro sinal, as luzes apagaram e eu tive a certeza de que você não iria. Saí de lá, peguei um táxi e fui andar na praia, da Santa Clara até o final do Leblon. Nem senti o quanto tinha andado, a peça me tocou tão lá no fundo que eu precisava descarregar de alguma forma. Meu coração batia numa aceleração louca, eu pensava que ele pudesse se cansar e parar. Quando eu percebi estar no Leblon, pensei em ir até a sua casa. Lembro disso como se fosse ontem: a dúvida tomando conta de mim. Sentei num banco e fiquei vendo o mar bater. Eu estava justamente na esquina da sua rua e torcia para que há qualquer momento você resolvesse sair de casa e fosse andar na praia, e de repente nós nos encontraríamos, quase sem querer, uma dessas coincidências inexplicáveis da vida. Já sei você não acredita nisso, não é? "Coincidência não existe!" Mas você não foi andar na praia. E lá fiquei eu olhando o mar, não sei porque mas achei que naquele dia a lua estava mais baixa, talvez tenha sido só impressão. O importante é que você não apareceu no teatro, não foi na praia e nunca me pediu desculpas. Tudo bem, eu te desculpo por isso, porque no final de tudo quem saiu ganhando fui eu. Como é que uma pessoa deixa de assistir Denise Stoklos? Isso eu não entendo, ainda mais sendo você essa pessoa.
(...)
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