domingo, 23 de setembro de 2007

Cartas Inacabadas III

Deda,
Finalmente consegui, eu sabia que um dia realizaria meu sonho. Como em Godot: "Ele quer saber se dói. É claro que dói". Mas, aí eu penso se vai continuar doendo é melhor que seja de uma vez, que seja rápido e profundo, assim ficamos anestesiados para a próxima. Ah! Meu amigo, talvez você esteja me achando uma louca, talvez um dia eu concorde com você, mas estou me sentindo tão leve. Vez ou outra é bom sentir isso. Vou viajar, passar um tempo fora, e dessa vez não é para fugir de nada, é só para descansar, pegar um sol, curtir um pouco, se rolar alguém, legal, se não rolar, tudo bem também. O que fazer? Não era para acontecer. Joguei runas hoje, sabe que até esqueci que fazia isso? E era a resposta que eu precisava, quer dizer, posso ter interpretado errado, mas como vou saber? Saiu a pedra que representa o Sol, é a melhor pedra das runas.

Você não deve estar entendendo nada, compreendo, mas não dá pra explicar. São essas coisas da vida que não tem meio termo, ou é muito bom ou muito ruim. Sabe aquela vontade de ser bonita de novo? Voltou!!!!!! Hahahahahahaha que delícia!!!!!! Já comecei a dieta, daqui a pouco vou andar na praia, quero ver se além de queimar calorias também pego uma corzinha.

De novo a vizinha brigando com os filhos, coitadas dessas crianças! Estou ouvindo Raimundos, acredita?

Mas quer saber? Tudo o que eu faço eu sempre penso nele, o cheiro, os locais que passo, as roupas que visto, tudo! É terrível, será que algum dia vou me livrar disso? Porque já está fazendo mal, acho que já tomou conta de mim, está lá dentro entranhado. Um dia eu descubro como sai, juro! Enquanto não descubro, vou vivendo.

Tomei uma decisão difícil hoje. Queria ter você, ao meu lado, me dando força. Eu poderia ter ido hoje para São Paulo e tê-lo encontrado. Ou então poderia ir amanhã de manhã. Mas vou ficar por aqui. Penso que poderíamos voltar a ficar juntos, mas também penso que ele pode estar namorando alguém. Não sei se estou suficientemente preparada para vê-lo, saber que nada mais rola e mesmo assim ficar bem. Tenho medo. Estou me agarrando em qualquer coisa para ficar aqui. Ao mesmo tempo, não tem como não pensar em como seria lá. Cheguei a pensar que ele poderia viajar comigo,... ainda sou uma grande babaca, a verdade é essa. Só não quero voltar a sofrer tanto como estava. Será que isso é ser fraca? Se for, então tudo bem. Assino embaixo. Sinto falta dele, claro que sinto, e muita até. Mas sei, pelo menos cerebralmente, que nosso tempo já foi. Não estou a fim de bancar a ex que virou amiguinha,... Palhaçada!!! Se é pra ser ex, quero ser ex mesmo. Só isso.

Cartas Inacabadas II

Mari,
Você me falou para eu seguir o que meu coração mandava, acreditei nisso, naquela hora era o único conselho a ser dito. Sabe, não doeu ter largado tudo de repente, pelo menos não naquele momento, porque depois,... Eu não estava preparada para passar por tudo aquilo. E foi tanto!!! Não sei se alguém consegue estar realmente preparado para as dificuldades que nos esperam. Sempre falam sobre a paixão ser cega, eu nunca dei muita trela a isso, na verdade achava uma grande besteira, mas agora, depois dela ter passado, eu sinto ser tudo verdade. Como é ruim não ter domínio sobre meus sentimentos, eu queria dizer: "vou esquecê-lo", e como num passe de mágica, ele não mais existisse dentro de mim, porque quando o amor passa, ainda resta a mágoa, a dor latejante no peito. Estou parecendo uma boba romântica, eu sei disso, você deve estar estranhando, logo quem falando nisso, pois é minha irmã, as coisas mudam.

Não sei quando vou voltar, mesmo estando morrendo de saudades de você, da mamãe e da Bia. Finalmente estou em paz comigo mesma. E, depois do turbilhão todo, eu precisava ir a um lugar onde não conhecesse ninguém, pensar um pouco, acalmar meus ânimos, me centralizar novamente.

Aqui é tão estranhamente calmo. Passo o dia na praia andando de um lado para o outro, ouvindo walk-man, sei quando a maré está subindo ou descendo, sinto cada espaço da praia, é tão bom sentir a areia nos pés, o mar parece me lavar a alma, limpando todos os meus sofrimentos.

Assim que eu cheguei para ficar com o Lipe, eu nem liguei muito pro fato de não conhecer ninguém na cidade. Só ele era o suficiente. Teve o tempo da lua de mel, das descobertas, mas depois veio a época do cotidiano, das carências, quer dizer, das minhas carências. Tinha dias que sem o Lipe perceber, eu saía da cama, descia as escadas, deitava no sofá e chorava até não poder mais, quando me cansava, voltava e dormia como se nada tivesse acontecido. Eu não sei se ele realmente não percebia ou se fingia não ter nada de errado.

De domingo a domingo minha vida era a mesma, acordava, arrumava a casa, ia a praia onde geralmente encontrava alguns novos amigos, na volta almoçava, tomava banho e ia trabalhar. Começamos a brigar invariavelmente todos os dias, ou quando eu voltava da praia ou quando chegávamos em casa de madrugada.

Mas o pior ainda não era isso, era quando eu tentava conversar e ele ficava calado, como se eu não estivesse ali, parecia uma múmia. E doía mais ainda quando eu o via de papo com todo mundo. Eu achava que ia enlouquecer, nunca me senti tão só na minha vida, mesmo quando morava em Helsinque.

Não queria aceitar que tinha perdido e mesmo sabendo não haver esperanças de voltar ao início, eu continuava tentando, só servindo para piorar meu estado. Eu comecei a beber muito, altos porres. Acordava e já apertava um baseado, meu café da manhã se resumia a uma água de coco e depois cerveja. À noite era a vez do whisky, da tequila, e o que viesse.

Teve um dia que saí da praia trocando as pernas, peguei uma carona, almocei e fui pra casa. Até hoje não sei como consegui chegar, lembro ter passado muito tempo tentando abrir a porta e o cachorro do vizinho latindo e eu ia ficando cada vez mais agoniada e mais tonta. Tomei banho, me envolvi na toalha e caí no sofá, da forma que estava fiquei, tudo girava. O Lipe chegou com uma mulher e os dois ficaram conversando na varanda, tudo era tão longe, eu queria falar alguma coisa, ver quem estava com ele, mas eu sentia meu corpo estático, acho que só meu coração continuava a bater. Depois dormi profundamente.

Uns dias depois ele me disse que era melhor procurar outro lugar para ficar, aluguei um quarto na casa de uma senhora, e ainda passei um tempo morando naquela cidade maldita. Um mês depois fui embora sem me despedir de ninguém.

Tudo ainda me dói terrivelmente, eu pensei que viver fosse menos difícil. Falam para a gente ter fé, mas como? É tão ruim continuar andando, sem nenhuma perspectiva de melhora. Às vezes, por alguns instantes, eu penso que tudo voltará a ser como um dia foi, lembro da nossa infância feliz, e por um momento eu queria voltar a ser aquela menina de maria-chiquinha brincando de esconde esconde, pique bandeira e queimado. O choro está tão presente em mim, que nem sei mais como se ri. Não tenho mais forças.

É sempre assim, quando acho que já estou bem, volta tudo. Um amigo me disse que nós sempre achamos que na próxima vez doerá menos, mas nunca é verdade. Se nós realmente nos entregamos aquilo, vamos até o céu e depois descemos até o fundo do poço.

Cartas Inacabadas I

Quando eu era adolescente, eu escrevia muitas e muitas cartas e muitas vezes ia pro mundo da imaginação, histórias irreais saídas de histórias reais para pessoas irreais inspiradas em pessoas que gostaria de ter conhecido. Eu achava que quando fosse adulta seria escritora e um dos meus projetos era de um dia escrever um livro chamado "Cartas a...", mas aí que com o computador e os e-mails isso foi ficando de lado. E depois com ICQ, substituído pelo MSN e também veio o Orkut e o Multiply e aí os blogs. Não necessariamente nessa ordem. E daí que hoje em dia não se escreve mais cartas, né? Eu ainda resisti bravamente porque um amigo morava no interior da Bahia sem acesso a computadores e eu escrevia pra ele, até que ele começou a ficar irritado comigo, porque eu comecei a digitar as cartas. E ele tem completa razão, é estranho mesmo. Hoje em dia nem sei mais como é minha letra direito.
Bom, mas aí tá uma das minhas cartas inacabadas a meus seres imaginários. Havia ainda outras partes que se perderam pelo caminho, e ficou só o começo dela.
***
Mickey,
Eu sempre tenho vontade de te escrever, quer dizer, na verdade eu até escrevo, mas eu acabo jogando fora. Chego a prometer "desta vez eu mando", e um tempo depois me bate uma dúvida, eu paro e esqueço da promessa, e mais uma carta vai parar no lixo. É tanta coisa a ser dita e tantas a serem esquecidas.

Por sempre desistir no meio, não sei nem por onde começar. Finalmente consegui umas férias, para que elas servirão não tenho a menor idéia, mas enfim, um mês sem nenhuma obrigação. Eu pretendo ir ao cinema, ao teatro, tem várias peças estreando agora, inclusive está tendo uma peça da Denise Stoklos, deve ter sido isso o que me levou a você.

Houve uma vez em que nós marcamos de ir ao teatro: Santos Dumont, com a Denise Stoklos,... e lá no meio daquele teatro lotado estava eu sozinha procurando por você. Tocou o terceiro sinal, as luzes apagaram e eu tive a certeza de que você não iria. Saí de lá, peguei um táxi e fui andar na praia, da Santa Clara até o final do Leblon. Nem senti o quanto tinha andado, a peça me tocou tão lá no fundo que eu precisava descarregar de alguma forma. Meu coração batia numa aceleração louca, eu pensava que ele pudesse se cansar e parar. Quando eu percebi estar no Leblon, pensei em ir até a sua casa. Lembro disso como se fosse ontem: a dúvida tomando conta de mim. Sentei num banco e fiquei vendo o mar bater. Eu estava justamente na esquina da sua rua e torcia para que há qualquer momento você resolvesse sair de casa e fosse andar na praia, e de repente nós nos encontraríamos, quase sem querer, uma dessas coincidências inexplicáveis da vida. Já sei você não acredita nisso, não é? "Coincidência não existe!" Mas você não foi andar na praia. E lá fiquei eu olhando o mar, não sei porque mas achei que naquele dia a lua estava mais baixa, talvez tenha sido só impressão. O importante é que você não apareceu no teatro, não foi na praia e nunca me pediu desculpas. Tudo bem, eu te desculpo por isso, porque no final de tudo quem saiu ganhando fui eu. Como é que uma pessoa deixa de assistir Denise Stoklos? Isso eu não entendo, ainda mais sendo você essa pessoa.
(...)

Faz de conta

Eu sempre gostei de escrever ficção. Mas com a faculdade de jornalismo isso acabou me travando. Como se tudo a partir dali precisasse ser real, sei lá. Afinal o que é ser real, não é? Mas com isso, eu fiquei estagnada e larguei meus escritos de lado. Aí um dia desses os vi no meu computador, datados ainda do século passado e me deu uma cosquinha de voltar pro mundo da imaginação. Como essa cosquinha anda aumentando, resolvi tentar, quem sabe por aqui eu consiga.