quarta-feira, 23 de abril de 2008

Marcelo

I *** Inspirado em Sem Ana, Blues, de Caio Fernando Abreu.

Quando Marcelo foi embora, eu não tinha a menor idéia do que seria viver sem ele, mas deixei-o sair da minha vida sem maiores explicações. Como se o sofrimento diminuísse se eu não soubesse o real motivo. Fui descobrindo que tudo ficava mais difícil: acordar, me vestir, trabalhar, dormir. Então quando chegava o fim de semana, eu pensava estar enlouquecendo pouco a pouco. O tempo passava, e tudo continuava igual. Minha vida sem Marcelo era um pesadelo interminável, imaginava onde ele poderia estar, com quem, fazendo o quê,... Isso só piorava os meus dias.

Ele poderia estar em Macchu Pichu, tantas vezes combinamos de ir para lá nas férias,... Ou então em Buenos Aires dançando tango, se perdendo pela noite argentina, nos braços de alguma daquelas bailarinas lindas, sensuais. A angústia tomava conta de mim. Não fazia nada sem ser pensar nele. Lembrava-me de sua gargalhada, do seu andar, de quando ficava em dúvida e mordia o lábio inferior, de como se espreguiçava quando dormia aninhado em meus braços, de seus sussurros ao pé do ouvido quando fazíamos amor... Ai, Marcelo!

Tentava preencher cada minuto do meu dia, como se isso fosse resolver alguma coisa, minhas dores aumentavam, saía pelos bares e o via em todos os homens, e bebia, e me drogava, e trepava com loiros, morenos e negros. Mas nada era capaz de me fazer esquecê-lo, chegava em casa e chorava, chorava e chorava. Finalmente, quando não tinha mais forças, dormia. Mas meu sono era ruim, estranho, acordava de madrugada num sobressalto, sentia-me perdendo o ar, e depois ficava com medo de dormir e parar de respirar. Tranqüilizantes começaram a fazer parte dos meus finais de noite. Descobri que sem Marcelo não havia melhor forma de dormir, mas mesmo assim, meu sono era pesado demais, como se estivesse morrendo lentamente.

Depois disso, um sentimento de raiva foi brotando em mim. Como ele podia ter feito aquilo comigo? Eu aceitava o fato dele ter ido embora. Mas tinha também que me prender a ele de uma forma insuspeitável, inimaginável? No momento em que ele partiu eu só precisava das amarras frouxas para que os dias pudessem seguir sem aquela dor que me assombrava dia e noite. Mais que raiva havia uma mágoa a flor da pele que latejava e escorria como pus.

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